sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Mães formam grupo para lutar contra a homofobia‏

Mães formam grupo para lutar contra a homofobia
“Queria gritar para ouvirem a minha dor”, diz mãe de homossexual
assassinado que faz parte do grupo Mães pela Igualdade
 
 
 
Eleonora, que faz parte do grupo Mães pela Igualdade, perdeu o filho
de 24 anos vítima de um espancamento: "Eu sei que só apanhou por ser
gay"
 
A última imagem vista foi a marca da sola de um tênis cravada no rosto
desfigurado do caçula. Não deu tempo de se despedir. Ele, aos 24 anos,
estava internado em um hospital de Recife, após apanhar de oito
rapazes. O jovem morreu minutos depois do último contato com a mãe.
Ela, na falta de palavras, só não quis ficar calada.
 
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“Queria gritar para ouvirem a minha dor. Meu filho, meu menino, tinha
sido espancado até a morte. Enquanto batiam nele, os meninos gritavam
que estavam matando a franga. Eu, mãe e heterossexual, também fui
vítima da homofobia”, lembra Eleonora Pereira, 46 anos, um ano depois
dos ataques que mataram o mais novo de seus três filhos. “José Ricardo
deixou uma saudade cheia de revolta”, diz.
 
Crime e pavor
Nestes 12 meses que passaram, Eleonora encontrou outras “vítimas
secundárias” da intolerância aos homossexuais. Mulheres que tinham
perdido seus filhos em crimes de ódio ou que conviviam com o pavor
deles, a qualquer momento, entrarem para estes números. Só nos três
primeiros meses do ano, conforme mapeou o Grupo Gay da Bahia (GGB)
foram catalogados 65 assassinatos contra homossexuais. No início desta
semana, um casal gay foi agredido em São Paulo, perto da Avenida
Paulista.
 
“Decidimos que era nossa hora de sair do armário para lutar contra o
preconceito criminoso que ameaça nossos filhos”, diz Raquel Gomes, 56
anos, moradora de Curitiba e mãe de Marcus, 21, que revelou gostar de
meninos para a família aos 16 anos.
 
Leia também:
- Pais gays falam como contaram para os filhos
- Meu filho é gay. E agora?
 
Eleonora, Raquel e outras 43 mulheres de São Paulo, Rio de Janeiro,
Brasília, Porto Alegre e Bahia decidiram então formar o grupo Mães
pela Igualdade. Inspirado em outros movimentos que já envolveram a
maternidade em causas sociais - como o argentino Mães de Maio (na
briga contra os desaparecidos na ditadura) - elas foram ao Congresso
Nacional na última semana para fazer o lançamento da campanha.
 
“Quando eu li a frase de um deputado (Jair Bolsonaro, em declaração à
Revista Playboy) dizendo que preferia ter um filho morto em um
acidente de carro a um filho gay, imediatamente pensei nas mulheres
que perderam seus filhos para a homofobia”, afirma o cientista social
Joseph Huff-Hannon, que trabalha em uma organização internacional em
favor dos direitos de gays, lésbicas, bissexuais, travestis e
transexuais (GLBTT), chamada All Out.
 
“Disparei emails para as mães brasileiras de gays que eu já conhecia e
elas replicaram a outras mulheres que viviam os dramas de forma
anônima. Em duas semanas, estava formado o Mães pela Igualdade”, diz o
idealizador.
 
Foto: Divulgação/All Out Ampliar
 
Luiza, mãe de Fernando, conta que fica muito aflita sempre que o filho
sai de casa
 
Bilhetes e revelações
No correio eletrônico e nas mensagens trocadas, as Mães pela Igualdade
encontraram mais do que o temor em comum em perder seus filhos. Elas
partilharam também a dificuldade que foi ouvir de seus rebentos que
eram homossexuais. “Eu me senti culpada, achei que tinha mimado o
Marcus demais. Depois pensei que era uma fase. Fiquei perdida, não
sabia o que fazer”, lembra Raquel.
 
Maria, mãe de Carla Amaral – transexual que está na fila de espera
para fazer cirurgia de mudança de sexo em um hospital público- também
resistiu em aceitar as formas femininas que passaram a cobrir seu
filho caçula. “Minha mãe já cortou meu cabelo a força, virou o rosto
para mim. Hoje, me emociona saber que ela se tornou ativista e que dá
a cara para me proteger”, conta Carla Amaral.
 
Luiza Habibe, juíza de Brasília, não ficou contra quando o filho
Fernando, hoje com 19 anos, contou que era gay. “Sempre soube disso.
Ele nasceu gay. E já tinha sofrido tanto. Mudou de escola seis vezes,
sempre porque era humilhado pelos colegas. Quando ele me contou, eu só
o abracei. Forte. E fiquei com medo da violência que ele podia
enfrentar na rua”, diz Luiza.
 
“Cada notícia de ataques de ódio, cada vez que o Fê sai para comer uma
pizza, o meu coração fica em sobressalto. A gente apanha junto quando
os homossexuais são espancados. Eu reconheci a dor quando a filha de
uma vizinha nossa foi apedrejada na rua pelo simples fato de andar com
bermudões e ter o cabelo curtinho”, conta.
 
Leia:
- 63% dos brasileiros são contra beijo gay em novelas
- Internautas dizem que ficariam "chocados" com beijo gay na TV
 
Figura de mãe
Wanderson Mosco, 31 anos, um dos organizadores do Mães pela Igualdade,
acredita que todas essas angústias vividas isoladamente podem
alimentar a mobilização em comum que pede a criminalização da
homofobia.
 
“A nossa sociedade é machista, mas ainda assim a mulher sempre foi a
figura central das famílias, a espinha dorsal”, diz ele. “E quando
elas se mostram também reforçam que os gays, travestis e lésbicas têm
família, têm raízes e valores. Não são só promiscuidade, pedofilia ou
bagunça como gostam de reforçar por aí”, diz Wanderson que, ele
próprio, não tem uma plena relação materna. “É cheia de vácuos, falta
vínculo, não ficamos à vontade um com outro. E foi assim desde que eu
contei ser gay.”
 
Retratos
O primeiro ato das mães que “já saíram do armário” foi divulgar os
retratos de família. Fizeram uma exposição fotográfica em que posam ao
lado de seus filhos, para mostrar o carinho, dedicação e amor,
prosaico em qualquer casa.
 
Eleonora Pereira aparece sozinha entre as fotografias. “É como eu
fiquei sem o meu Zé. Representa a ausência do abraço quando eu chego
do trabalho.” O processo sobre o assassinato de José Ricardo Pereira
segue em segredo de justiça. “Mas a minha dor agora não é mais
escondida. Que a morte dele ajude a salvar a vida de outros gays e de
outras mães.”

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