quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Atualidade da ofensiva grevista


Atualidade da ofensiva grevista
Saulo Pinto Silva[1]
Jean Magno Moura de Sá[2]
 
A “atualidade histórica” da greve dos trabalhadores da educação básica, profissional e tecnológica no país mostra-se, cada vez mais, como uma “fato histórico”, em contraste com as condições objetivas imanentes, pois é dominada por determinações defensivas inevitáveis. Nossa estrutura de organização sindical, bem como as estratégias que são lançadas pelo bloco defensivo do trabalho, nada mais expressam do que o gradualismo fraco (“passo a passo”) às ofensivas do capital em retirar em escala cada vez mais ampliada direitos histórico-sociais e submetê-los a ciranda de acumulação privada de capitais. Isto fica razoavelmente evidente quando observamos o espanto da burocracia terceirizada do MEC que, numa texto “iluminado”, o assessor Eliezer Pacheco diz ser a “banalização da greve” a responsável pela fragilização das instituições públicas e possibilita o retorno do discurso privatista.
Assim, temos que pensar a morfologia do governo Dilma, como continuidade precária do governo Lula, pois, segundo Eliezer Pacheco, o bloco defensivo do trabalho do funcionalismo público, atolado num “corporativismo” tacanho, não conseguiria observar os verdadeiros responsáveis pelos ataques do governo aos direitos trabalhistas, que seriam, ao eu modo de ver, a “grave crise econômica” e o “crescimento da direita”. Daí nossa incapacidade coletiva de adotar uma “postura propositiva” e sim “uma postura reacionária, aproximando-se das posições de direitistas e dos defensores do estado mínimo”. Como podemos ver, o MEC terceiriza o debate político buscando desqualificar o movimento grevista, vinculando-nos ao arcaico direitismo brasileiro, bem como imputando-nos uma perspectiva antidemocrática da qual, de fato, estamos bastante distantes.  
De todo modo, a pergunta não quer calar, isto é, a qual direita política mesmo faz remissão o “epígono” Eliezer Pacheco? Se nossos adversários estruturais são à direita e a crise econômica produzida pela sanha direitista em acumular capitais cada vez mais deslocados do processo de produção, então, onde está à direita? Ora, estamos vivendo no país uma nova rodada de acumulação primitiva, dirigida organicamente pelos neoliberais “de esquerda” do Partido dos Trabalhadores e pela lumpemburguesia rentista, cuja lógica de acumulação por espoliação se materializa na transformação do país num autêntico acampamento de excluídos. Essa inversão no campo da política se dá por um processo de modernização conservadora em curso na sociedade brasileira, em que a burguesia tropical aceita ser dirigida pela aristocracia operária, que foi formada nos final das lutas sociais dos anos 1970, tendo como limite absoluto permitido pela lógica da economia burguesa os ditames da acumulação privada de capitais. Isto permite, igualmente, que a política econômica rentista seja mantida e, ao mesmo tempo, o erguimento de um sofisticado mecanismo de instrumentalização da pobreza se desenvolva, isto é, a pobreza deixa de ser combatida pela política como espaço público do confronto e da contradição para ser administrada pelos mecanismos de gestão da macroeconomia brasileira.
É óbvio que uma hegemonia deste nível representa, em termos políticos, um paradoxo, posto que a hegemonia aqui representada perfaz-se como hegemonia às avessas, como quer Francisco de Oliveira, em que os dominados dominam, mesmo sem possuírem de fato o poder ontologicamente efetivo do metabolismo sócio-reprodutivo do capital. Assim, temos um ajuste estrutural tucano-petista em que a direita, para horror do “comentador” Eliezer Pacheco, está no poder. Então, se a culpa pelo ajuste econômico da economia brasileira se processou pelos neoliberais “de direita” do PSDB, com o governo FHC, a economia de catástrofe se aperfeiçoou com os neoliberais “de esquerda” do PT, com os governos Lula-Dilma. Pois, agora os dominados chegaram ao poder pela via da política eleitoral e fundaram uma sofisticada economia dos conflitos sociais que, no domínio ideológico, faz a maioria dos trabalhadores se reconhecerem num governo que vai “passo a passo” desmantelando, desregulamentando e privatizando os serviços públicos universais. De outro lado, radicaliza às necessárias políticas de focalização que, entre outros termos, dá efetividade às inúmeras diferenciações que constitui a morfologia da classe do trabalho. A questão cêntrica é que a ideologia tucano-petista substituiu a universalidade do estado em prover serviços públicos aos cidadãos para gerir o estado e sua macroeconomia pelos fundamentos mesquinhos e apologetas da microeconomia. No último período, sem nenhuma vergonha, privatizaram os Hospitais Universitários e tentam a todo custo entregar os Correios aos interesses mesquinhos do capital privado. A falência da política se desenha como farsa trágica e que têm nos gestores do executivo os principais atores do combate à pobreza hierárquica e estruturalmente organizada.
O fazer “mais com menos”, portanto, é a palavra de ordem tucano-petista tem provocado os potentes processos de greves nacionais, que tem na greve da rede federal de educação, básica, profissional e tecnológica apenas um miserável exemplo. Neste sentido, faz-se necessário, após uma tentativa de esboço de alguns apontamentos sobre a morfologia do governo Dilma, polemizar sobre a necessidade do “entreguismo” que hoje ocupa a perspectiva política dos nossos dirigentes do SINASEFE e que, a nosso ver, caso não lutemos violentamente contra o governo até o fim, possibilitará um período histórico de rupturas políticas internas importantes e um imenso refluxo entre os trabalhadores, pois estes não confiarão mais no SINASEFE como instrumento de luta direta contra o patrão e na defesa inflexível dos nossos direitos histórico-sociais inegociáveis.
Toda a pauta de reivindicação da categoria é legitima e justa. Até os burocratas defendem esta posição. Todavia, o governo tenta a todo custo desmobilizar a greve com os instrumentos político-administrativos que dispõe, por exemplo, quando vende uma verdade falsamente produzida de que o MEC é tolerante e o MPOG intransigente. Ora, trata-se de ministérios do governo, isto é, departamentos especializados na mentira em estado puro e, ambos, submetidos à política do Planalto. Não há sentido para o movimento adotar este argumento como legítimo, posto que o governo divide-se para tentar confundir a categoria e não avançar no processo negocial. Isto se expressou quando ANDES e Proifes assinaram um rebaixado acordo que contemplava a EBTT, de maneira ilegítima, nos termos salariais e na incorporação das gratificações ao salário base, deixando os trabalhadores do PCCTAE a deriva. Pergunta necessária: a quem esta política interessa? Uma inteligência mediana não terá problemas em responder que o governo busca com esta posição a divisão interna do movimento e do SINASEFE, pois representamos as duas categorias de maneira indissociável, mesmo respeitando e tendo políticas específicas para as duas categorias. O famigerado Boletim Especial de Greve nº16, produzido pelo CNG, inverteu seu papel na disputa de poder no processo grevista e, abertamente entreguista, quase desmobiliza a Greve. Mais uma vez, a base da categoria não permitiu que tal desmobilização acontecesse e, numa solapada, aprovou a continuidade da greve com radicalização nas bases.
Mas, não são poucos que têm sustentado vitória na derrota, isto é, que a greve já maturou e que mais de dois meses de greve foram necessários para que o movimento arrancasse conquistas significativas do governo. Quais conquistas? Na prática, como atesta o relatório da audiência com o MEC do dia 15/09/11, “os pontos que geram impacto orçamentário deveriam ser tratados no MPOG”. Assim, parece-nos, que os termos relativos ao reajuste salarial de 14,67%, progressão docente (D1-D2, D1-D3) e regulamentação do auxílio transporte, como implicam impacto orçamentário, o MEC se “empenhará” em dialogar com MPOG ou, no limite, acionar a AGU para que uma câmara de arbitramento seja instalada para dirimir os conflitos. Em relação ao quesito vagas para concurso público, o MEC apenas antecipou um Decreto Presidencial “que autoriza os reitores a realizarem concurso público para as vagas na rede, com a utilização do banco de professores equivalentes”, além da “aprovação do PL 2134/2011 que irá fazer o calendário de provimento das vagas”. Entretanto, não podemos nos esquecer dos Grupos de Trabalho, pois o MEC escalona toda a pauta administrativa que depende apenas de uma decisão do próprio MEC. É assim em relação à pauta das 30 horas, capacitação e reestruturação da carreira para TAE´s e auxílio alimentação. E as vitórias? Antes que nada sobre para comemoração pós-festum, temos que dizer que o MEC aceita, mesmo sem indicar concretamente o método de encaminhamento da questão, que os técnico-administrativos possam candidataram-se para os cargos de reitor e diretores de Campi, numa pauta histórica e importante da nossa categoria.
Dito isto, obviamente, com todas as reduções que uma análise política acarreta, temos que dizer que a greve com um processo democrático de explicitação das vontades e desejos dos trabalhadores, deve pauta-se na defesa irrestrita dos interesses dos trabalhadores e não, como temos observado, entrar na lógica suicida do governo e de seus políticos “terceirizados”, que tentam desmoralizar o processo de greve e a legitimidade que este processo encerra. Deve ser dito, pois, que a defesa do salário é uma condição “suficiente”, mas não “necessária” como parâmetro para a exigência da qualidade da educação que é ofertada à maioria da população. Assim, por mais tautológico que pareça, temos que resistir e lutar, a exemplo dos educadores de Minas Gerais e Ceará, que a despeito da truculência e violência implementada pelos governos locais, não se bastaram em suas limitações e ousaram lutar até o fim, até a vitória! É louvável, por outro lado, que em alguns estados os acordos administrativos tenham avançado, como o caso da Paraíba. Todavia, a greve é nacional e temos uma pauta estruturante em relação ao governo. Qualquer acordo localizado, portanto, não efetiva a incorporação de uma regra a todos os trabalhadores da rede e, sim, apenas uma medida transitória adotada pelas reitorias locais que pode ser facilmente derrubada por uma medida (os famigerados “acórdãos”) do TCU, por exemplo.
A culpa de estarmos em greve é do governo Dilma. Enquanto não temos nada para a categoria, o congresso nacional elevou sua folha de pagamento em 860 milhões de reais, bem como o reajuste pleiteado pelos juízes e servidores do judiciário federal tem uma implicação orçamentária da ordem de 7,7 bilhões de reais. Dinheiro tem, e muito! Trata-se das prioridades políticas tucano-petistas que, entre outros termos, estão voltadas para a acumulação privada da lumpemburguesia rentista.
Temos sim que pôr na ordem do nosso debate a atualidade da ofensiva grevista e dizer que não aceitamos que no país que mais se fala em educação no mundo, justamente os educadores, sejam tratados como a escória social mais desprivilegiada. Contra o entreguismo dos nossos dirigentes, contra a assinatura de um não-acordo (pois nem rebaixado ele o é!), contra o encerramento da greve, é que apresentamos estas reflexões críticas para apreciação dos companheiros na continuidade da greve radicalizada e até a vitória da nossa classe.
 


[1] Professor de Teoria Econômica do Campus Maracanã.
[2] Professor de Sociologia do Campus Maracanã.
 

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